Na altura em que decorre em Copenhaga a Cimeira da ONU sobre alterações climáticas foi através de uma coincidência oportuna que conheci o trabalho do fotógrafo canadiano Edward Burtynsky. Apesar de serem dois temas distintos, estes têm, apesar disso, uma ligação que vem do facto de Burtynsky fotografar indústrias e obras de (muito) larga escala, das quais revela não apenas o seu gigantismo mas também o grotesco e a dimensão das suas consequências.
A fotografia documental de Burtynsky valeu-lhe já em 2005 a atribuição de um prémio TED. O seu trabalho, apropriadamente realizado em grande formato, está focado em actividades capazes de transformar as paisagens natural e humana, como são os casos das indústrias de manufactura em larga escala, da construção pesada, da extracção ou da reciclagem.
Foi em busca destes aspectos que Edward Burtynsky viajou em 2005 pela China e Bangladesh, visitando fábricas, aterros, estaleiros navais, obras e sucatas. Desta viagem resultou 'Manufactured Landscapes', um documentário realizado pela também canadiana Jennifer Baichwal, que acompanhou e registou o trabalho do fotógrafo.
"Manufacturing #18", Cankun Factory, Zhangzhou, China
Em ‘Manufactured Landscapes’, a dimensão dos objectos retratados, o olhar demorado da câmara e os comentários em voz off de Burtynsky são propícios à meditação. O plano inicial, por exemplo – um imenso travelling ao longo de linhas de montagem de uma fábrica de produtos eléctricos na China, na qual trabalham cerca de 17000 pessoas – demora quase 8 minutos!
"Manufacturing #17", Deda Chicken Processing Plant, Dehui City, China
Para além da dimensão estética e do impacto visual, estes dois trabalhos reunidos num só – a fotografia e o documentário – levam-nos a reflectir acerca das implicações das duas últimas décadas de industrialização e de globalização.
"Nanpu Bridge Interchange", Shanghai, China
Dá que pensar o testemunhar da realidade de adultos e crianças envolvidos na escolha de sucata, no desmantelamento de navios, ou na extracção de metais pesados e componentes do chamado “e-waste” – o lixo electrónico dos aparelhos que usamos, entre os quais estão os 50% de computadores de todo o mundo que voltam para a China para serem (mal) reciclados.
"Shipbreaking No. 30", Chittagong, Bangladesh
Dá que pensar a forma como na Ásia é feita – e como é paga – a produção de milhões de artigos de todo o tipo (como, por exemplo, os mais de 75% por cento dos brinquedos ou os 90% de decorações natalícias de todo o mundo que são feitos na China!).
Dá que pensar porque é que as corporações, empresas e governos ocidentais continuam a deslocalizar fábricas, não apenas porque nesses locais se produz barato, mas também porque nesses sítios se polui – e literalmente mata – “de borla”.
"Bao Steel #8", Shanghai, China
É útil ver este documentário e encarar algo que muitos de nós desconhecemos ou apenas subestimamos. Porque "Manufactured Landscapes" nos faz reflectir nos ciclos económicos e, logo, nos ciclos sociais e demográficos que esta realidade já nos impôs.
Uma realidade que, apesar de mal a conhecermos, está a moldar o nosso futuro.
8 comentários:
alto post!
(qt ao que descreves do doc, é fácil de entender - é um documentário de cinema, não de televisão. está tudo dito.)
(percebes agora porque gosto de cinema?)
obrigado!
(percebo sim. gostei bastante, de facto. e agora trata lá de o veres também.)
(ou como diria o laurodérmio, 'always watch good moves')
impressionante. fiquei curiosa.
elle, fico satisfeito por ter provocado essa curiosidade - vale a pena procurar ver!
(no youtube encontra-se qualquer coisa, pelo menos dá para ficar com uma ideia: http://www.youtube.com/watch?v=ie5SJ39LsDg)
e é importante sabermos o que se está a passar por aquelas bandas, para que possamos perceber muito do que se está a - e vai - passar por cá!
ok. lá vou...
obg
A cimeira deu baixeira (da banheira). Ou: o pessoal caga e estraga e depois queria Copenhaga?
cão, o pessoal prefere pagar mas continuar a sujar.
pois é
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